PARISCOPIO

Uma brasileira em Paris

quinta-feira, agosto 31, 2006

Perco a vida mas não perco a piada!

A Alemanha, tão traumatizada pelos horrores da Segunda Guerra, está aos poucos espantando seus fantasmas. Tanto é que uma editora alemã acaba de publicar um livro sobre o humor na era nazista. Uma espécie de coletânea de piadas que eram contadas na época do Hitler, sobre o Hitler, derrubando mais um tabu no país.

Tem, por exemplo, aquela do Hitler visitando um hospício e sendo recebido por todos com a famosa saudação nazista. Ao passar pela fila de pessoas com os braços erguidos, o ditador percebe que uma mulher não esta saudando e pergunta: "Por que você não está fazendo como os outros???" Na maior naturalidade ela responde: "Porque eu sou a enfermeira, oras, nao sou louca!!!"

Pode até não ser a piada mais engraçada do mundo, mas o autor Rudolph Herzog conta que anedotas como essa eram contadas abertamente nos primeiros anos do Terceiro Reich. Ele explica que elas funcionavam como uma espécie de terapia para a população, ajudando as pessoas a aliviar a enorme pressão em que viviam.

Mais para o final da guerra, contar uma piada assim virou motivo para pena de morte. O livro relata a história de uma empregada do departamento de munições do governo nazista que não resistiu e contou a seguinte:

O Hitler e o Hermann Göring estavam no topo da torre de radio de Berlim. O Hitler vira pro Göring e diz: "Eu queria tanto fazer alguma coisa para animar o povo desta cidade". E o Göring responde: "Por que vc não se atira aqui do alto???"

Um colega que ouviu denunciou a engraçadinha às autoridades. Depois de julgada e considerada culpada pelo crime de "obstrução dos esforços de guerra" por seus comentarios sarcásticos, a mulher foi executada em 1944.

Perdeu a vida mas não perdeu a piada...

quinta-feira, agosto 24, 2006

Depressão cosmica


Plutão, coitado, foi mesmo rebaixado. Não teve jeito. Bem que alguns astrônomos tentaram dar um jeitinho, alargar a categoria dos planetas e trazer outros corpos celestes para a primeira divisão do sistema solar, com o lema "acrescentar três para não perder um". Mas a idéia acabou sendo vetada, agora ha pouco, pelo voto da maioria presente ao congresso astronômico de Praga.
Resultado: como se ja não bastasse ser o menorzinho da turma, largado la nos confins gélidos do universo, o pobrezinho do Plutão caiu para a segunda divisão. Foi relegado a uma nova categoria, a dos planetas-anões. E mole? Ja que é prêmio de consolação, podiam pelo menos ter escolhido um nome melhorzinho, né? Planeta-anão é sacanagem... De quebra, a votação frustrou a expectativa dos três candidatos a subir para o grupo dos grandes (Ceres, Xena e um outro que esqueci o nome). O mais tristinho de todos deve ser o Ceres, que, uns dois séculos atras, viveu momentos de gloria efêmera na condição de planeta, para depois ser rebaixado. A votação de hoje era a ultima esperança de uma volta triunfal. POW! Virou poeira espacial.
ps. Ja pensaram no preju? Todos aqueles livros didaticos voltando pra grafica? E como é que as crianças vão decorar o nome dos planetas agora? Lembra do macete "Minha Velha Traga Meu Jantar, Sopa, Uva, Nozes, Pão"? Pois é, agora meu jantar vai ficar sem pão... :(

segunda-feira, agosto 21, 2006

SACRILEGIO!!!!


Apreciadores das boas coisas da vida, arrepiai-vos! Os europeus estão enchendo o tanque com vinho francês!!! Eu é que não queria estar no Olimpo numa hora destas. O deus Baco deve estar enfurecido!

Mas como um sacrilégio desses está sendo autorizado em plena pátria do vinho??? Culpa da crise, oras. Com a queda vertiginosa do consumo e dos preços da bebida, os vinicultores da França se viram obrigados a transformar parte de sua produção em combustível.

A crise no setor é tão grave que, no ano passado, alguns supermercados franceses chegaram a vender garrafas de vinho mais barato que água mineral. Desesperados, centenas de produtores foram às ruas protestar. Resultado: para tentar levantar os preços irrisórios, e regular o mercado, o governo francês pediu à Uniao Européia autorização para destilar o equivalente a mais de 150 milhões de garrafas. E não foi só vinho de má qualidade, não. Os bem cotados Bordeaux e Cotes du Rhône também viraram álcool.

A transformação do vinho em etanol é uma tendência em toda a Europa. Em 2005, cerca mais de 3 bilhões de litros do produto foram tranformados em combustível. Por enquanto essa energia é utilizada basicamente em máquinas da indústria. Mas com tanto vinho sobrando, não deve demorar muito para que a prestigiada bebida seja saboreda também por motores de carros.

Na França, aliás, isso já esta acontecendo. O etanol produzido hoje no país é vendido a destilarias e usado como aditivo. A proporção da mistura com a gasolina ainda é baixa, de 1%, mas deve aumentar gradativamente nos próximos anos. O problema, segundo especialistas, é que o teor alcóolico da uva é sete vezes inferior ao da beterraba (normalmente utilizada nesse processo). Mas já há pesquisas sendo feitas para desenvolver técnicas de destilação capazes de elevar os níveis de álcool a partir do vinho.

Para entender a crise no setor vinícola europeu, basta olhar para a concorrência acirrada de produtores emergentes como a Austrália, Chile, Estados Unidos e Africa do Sul, que oferecem vinhos cada vez melhores por preços muito mais acessíveis, sobretudo com a valorização do euro.

Em 2004, a Europa viu suas exportações de vinho cair cerca de 5% de um ano para o outro. Como se não bastasse, os europeus não se fazem de rogados e bebem, sem complexo, garrafas vindas do novo mundo. Com isso, as importações crescem num ritmo médio de 10% ao ano.

Aqui na França, além da dificuldade de concorrer com esses vinhos estrangeiros, bons e baratos, ainda tem um fator interno para piorar a situação: os próprios franceses estão bebendo cada vez menos. Em 1960, eles consumiam em média incriveis 100 litros por ano ! Agora esse numero caiu quase que pela metade.

Uma das causas dessa queda no consumo é (acreditem!) o programa de prevenção de acidentes nas estradas, que aumentou os controles de embriaguez e endureceu as penas. Ou seja: o medo do bafômetro fez com que muita gente aqui abandonasse o velho hábito de beber (vinho, e não água!) durante as refeições. Principalmente em restaurantes.

Claro que os franceses continuam bebendo MUITO. Mais de 50 litros por ano, o que lhes garante o primeiro lugar disparado na lista dos maiores consumidores do mundo. E, embora muitos aqui encarem a transformação do vinho em etanol como uma medida necessária para diversificar a atividade dos vinicultores e garantir a sua sobrevivência, isso não torna menos dolorosa a idéia de dividir os ancestrais prazeres do vinho com o motor de um carro.

sábado, agosto 12, 2006

Mas que nada

Não sei se ja esta fazendo sucesso no Brasil, mas a nova musica do Black Eyed Peas com o nosso Sérgio Mendes esta em todas as paradas aqui na França. Irado. Vale a pena ver o clipe: http://www.youtube.com/watch?v=IbdzcOomaUc


O antologico "samba que é misto de maracatu, samba de preto velho, samba de preto tu..." em versão hip hop: "Mas que nada, we gonna make you feel a little hotter. Peas and Sergio Mendes heating up sambaaaa..."

quinta-feira, agosto 10, 2006

Entre o voyeurismo e o ócio...

Extra! Extra! Mais números sobre a invasão blogosférica. A última notícia é que meus anfitriões aderiram em massa aos blogs. A França está em primeiro lugar na lista dos países que mais visitam este tipo de espaço. Em maio, 60% dos internautas franceses entraram em um blog, contra 40% na Grã Bretanha e 33% nos Estados Unidos.

A pesquisa mostra ainda que, além de estarem no topo da lista de leitores, eles também são os que ficam mais tempo conectados à blogosfera. Passam, em média, uma hora lendo blogs por mês, muuuuuuuuuuito na frente dos segundos colocados, os americanos, que gastam parcos 12 minutos. Os alemães vêm em seguida, com apenas três minutinhos.

E o fenômeno aqui tem uma particularidade: vários políticos importantes viraram blogueiros, "estabelecendo uma ponte direta com seus eleitores e transformando a vida política do país", escreve, orgulhoso, o jornal Le Figaro.

Tudo muito lindo, tudo muito belo, mas a pergunta que eu faço é a seguinte: será que os franceses são mais voyeurs que os outros? Para começar, foram eles que inventaram essa palavra. E, em praticamente todas as línguas, ela não foi traduzida. Agora, essa súbita paixão pelos blogs só veio reforçar a teoria de que eles curtem espiar a vida alheia como ninguém.

Mas não vamos nos precipitar nas conclusões! Outra explicação plausível é a falta do que fazer. Muitos dizem por aí (não sou eu que estou dizendo!) que o povo francês trabalha menos do que o resto do mundo. Uma reputação que vem, entre outras coisas, de uma legislação trabalhista, no mínimo, generosa. A lei mais conhecida é a que estabelece um máximo de 35 horas de labuta por semana. Ou seja: tempo para navegar na blogosfera é o que não falta.

Voyeurismo ou tempo sobrando? Um não exclui o outro...

quarta-feira, agosto 09, 2006

50 milhões em ação!

Nem precisava demonstrar com números. Eu já sabia. A prova viva sou euzinha e este meu, seu, nosso espaço. Os blogs são uma febre. Uma verdadeira coqueluche mundial.

Se você não acredita, dá uma olhada nos últimos dados da ferramenta de busca Technorati: existem atualmente 50 milhões de blogs no mundo! Isso significa que a blogosfera é hoje 100 vezes maior do que era há três anos. E a cada seis meses que passam, ela dobra de tamanho. Uma progressão que vem sendo registrada desde 2004. Se o crescimento se mantiver nesse ritmo, em fevereiro do ano que vem, vai ter mais de 100 milhões de blogs no planeta. Genteeeeeee, vocês têm noção??? Isso é o que eu chamo de uma invasão blogosférica!!!!

Todo dia 175.000 diários virtuais como este aqui são criados, o que dá uma média de dois a cada se-gun-do! Claro que muitos desses blogs são spam, publicidade disfarçada. Mesmo assim, é MUITA coisa. Para se ter uma idéia mais precisa, cerca de 1.600.000 novos posts são publicados diariamente. A maioria deles, cerca de 40%, em inglês. 31% são escritos em japonês e 12%, em chinês. O espanhol vem em quarto lugar, com apenas 3%. Um mundo pequeno, para o idioma que é o segundo mais falado no mundo. O francês se encontra no mesmo patamar. Já a nossa língua portuguesa está atrás, com 2% do total, empatada com o russo e o italiano.

Mas seja em que idioma for, o fato é que os blogs são um verdadeiro fenômeno. E, se muita gente usa os blogs apenas para dar informaçoes tão relevantes para o futuro da humanidade como o que comeram no café da manhã ou por que brigaram com o namorado, muitos blogueiros preferem usar seus espaços para analisar os principais fatos internacionais.

Alguns desses, por destoar do discurso que se costuma ler na mídia, acabaram ganhando grande repercussão recentemente. É o caso do soldado americano no Iraque que resolveu dar a sua versão da guerra que está lutando. Com um ponto de vista peculiar e surpreendente, e um linguajar franco e direto, ele tem registrado milhares de visitas. Porque no oceano blogófico que inundou a internet, é preciso sobressair à massa para fazer sucesso.

E com a proliferação desvairada desses danadinhos vai ser cada vez mais difícil encontrar leitores para tantos blogs...

terça-feira, agosto 08, 2006

Marca registrada

A famosa cabeçada que o Zidane deu no italiano Materazzi na final da Copa do Mundo continua se revelando um filão lucrativo. A cada dia surgem novos produtos derivados do acesso de fúria que acometeu o Zizou no último jogo do mundial da Alemanha. Primeiro foi um joguinho de internet, que ganhou adeptos no mundo inteiro. Depos foi a tal música satirizando o episódio, que virou o hit deste verão aqui na França. O single já vendeu mais de 60 mil cópias e foram produzidas versões em espanhol, italiano e até japonês. Para completar, o toque de celular no ritmo da canção foi baixado mais de 115 mil vezes na internet.

Agora, o filão esta sendo explorado até na China. Zhao Xiaokai, diretor de uma empresa de marketing esportivo, está faturando alto com a cabeçada mais célebre do mundo. Ele virou dono da cena em que o craque francês agride o zagueiro italiano. E isso mesmo: do-no, proprietário da cena. Pela bagatela de 200 euros, o cara patenteou a antológica cabeçada e a transformou em marca registrada.

Você deve estar imaginando que ele vai acabar sendo processado por uso indevido de imagem, né? Nada disso. O esperto chinês pensou em tu-do e não vai precisar pagar nem um tostão ao ex-camisa 10 da equipe francesa de futebol.

Para se livrar de uma eventual multa por violação de direitos, o empresário teve a idéia genial de registar apenas o vulto do jogador francês batendo com a cabeça. Ele pretende vender camisetas, bonés e sapatos com a imagem. Além disso, vai cobrar 100 mil euros daqueles que quiserem reproduzi-la em seu país. E Zhao Xiaokai conta que ja foi procurado por duas marcas de cerveja, que estão interessadíssimas.

Pois é, a cabeçada do Zidane virou um negócio da China. Literalmente!

De dar inveja ao MacGyver

Desde que Fidel assumiu o poder em Cuba, há quase meio século, a CIA e alguns cubanos exilados vêm tentando todos os planos imagináveis para se livrar do líder. Obviamente, nenhum dos atentados deu certo, mas a criatividade e a engenhosidade de alguns deixaria envergonhados os roteiristas dos filmes de 007. Pílulas envenenadas, charutos tóxicos e moluscos explosivos são apenas algumas das idéias mirabolantes inventadas para matar o presidente cubano.

Fabian Escalante, que durante muito tempo cuidou da segurança do el comandante, contabiliza mais de 600 tentativas de eliminar Fidel. Recém-aposentado, ele decidiu escrever um livro entitulado "638 jeitos de matar Castro". Escalante, que dirigiu o serviço secreto cubano e impediu a concretização de muitos desses complôs, conta com detalhes cada um deles. Um dos mais conhecidos é o charuto-bomba fabricado para explodir na cara do líder cubano. Ou a seringa carregada com veneno, e disfarçada de caneta, que seria usada por um traidor do alto escalão do governo revolucionário. Mas a lista de idéias bizarras não pára por aí.

Conhecendo a paixao de Castro por mergulho subaquático, a CIA recenseou milhares de moluscos do Caribe com o objetivo de achar um que tivesse conchas grandes o suficiente para comportar uma quantidade mortal de explosivos. A idéia era pintar as tais conchas com cores bem vivas e fluorescentes para atrair a atenção de Fidel debaixo d’água. Documentos publicados durante o governo Clinton confirmam que esse projeto realmente existiu, mas nunca saiu do papel. Outro plano relacionado ao hobby submarino de Fidel consistia em fabricar uma roupa de mergulho infectada por fungos que causariam uma doença de pele crônica.

Certa vez, um agente tinha uma pastilha de veneno, guardada na geladeira, para dissolver num milk-shake pedido pelo dirigente cubano. Mas na hora de pôr o plano em prática, ele não conseguiu desgrudá-la do gelo. Perdeu a chance.

Até uma antiga amante de Fidel foi contratada para assassina-lo. Desconfiado, Castro ofereceu seu próprio revólver para que ela cumprisse a missão. A moça, arrependendidíssima, recusou.

A mais recente tentativa séria de assassinato aconteceu no ano 2000, numa visita do líder cubano ao Panamá. A equipe de segurança de Fidel encontrou 90 quilos de dinamite debaixo do palanque onde ele iria falar.

Todos esses atentados malsucedidos acabaram gerando piadas sobre a suposta indestrutibilidade do presidente cubano. Uma delas conta que Fidel recebeu uma tartaruga de Galápagos de presente, mas recusou porque ela vive apenas cem anos. "Esse é o problema dos bichinhos de estimação, vc se apega a eles e os coitados morrem antes de você."

Mas depois da internação de Castro na semana passada, o povo cubano percebeu que seu líder não é tão indestrutível assim. A ironia é que não foi nenhum dos planos mirabolantes que abateu (pelo menos temporariamente) o chefe revolucionário, mas sim a idade e seu debilitado estado de saúde. Dois inimigos que Castro não pode mandar pro Paredón...

quarta-feira, agosto 02, 2006

A teoria do marisco

Hoje é parada séria. Sei que não combina muito com este Pariscópio, que, como vocês já devem ter notado, é um espaço esculhambado. Prefiro assim. Já me basta escrever com seriedade e circunspecção no trabalho. Blog é lazer.

Mas, depois de três semanas acompanhando, consternada, o conflito no Oriente Médio, não deu para continuar calada. Resolvi tocar no assunto, mas sem entrar no mérito da guerra. Não vou debater quem começou primeiro, quem tem mais culpa no cartório etc. Quero apenas escrever sobre o marisco.

Não, não tomei nenhum alucinógeno e nem estou viajando na maionese. É do marisco mesmo que estou falando.

Como disse o jornalista Silio Boccanera no programa Sem Fronteiras, da Globonews, na guerra entre o mar e a rocha, quem sofre é o marisco. E no choque entre Israel e o Hezbollah, quem sofre e sangra é o Líbano. O Líbano é o marisco do atual conflito.

Sob o pretexto de exterminar a milícia islâmica que seqüestrou dois de seus soldados, Israel esta dilapidando um país que acabou de se reconstruir de uma terrível guerra civil. Em poucos dias, as bombas israelenses reduziram a pó um trabalho de décadas. Arrasaram estradas e pontes, explodiram usinas e centrais energéticas, esburacaram a pista do aeroporto internacional de Beirute, novinho em folha, derrubaram prédios e casas e ainda mataram centenas de civis. Sendo que muitas, muitas crianças.

E tudo isso justo agora que os libaneses tinham conseguido enfim se recuperar. A economia, embora ainda frágil, estava florindo. Depois de anos com medo, os turistas finalmente voltaram Líbano. Basta ver a quantidade de estrangeiros que tiveram que escapar quando os bombardeios começaram. Milhares de pessoas do mundo inteiro estavam no país para conhecer as paisagens estonteantes e curtir as praias paradisíacas da “riviera” libanesa. Todos tiveram que interromper as férias por causa da guerra. Um golpe duro para o turismo que tanto tempo demorou a se reerguer. Só Alá sabe quando os visitantes vão se sentir seguros para visitar o Líbano novamente. E quanto tempo o estado vai levar para reconstruir os atributos locais.

A ironia, diz o escritor Mohamed Kacimi no jornal Libération de ontem, é que os Estados Unidos – que pregam e impõem a democracia aos países orientais – cruzam os braços justamente diante do massacre do único país realmente democrático do mundo árabe.

“Um país com jornais, revistas, televisões e eleições livres. Um país em que se pode rezar para qualquer deus, em nome de qualquer religião, sem correr o risco de ser linchado. Um país em que o povo pode sair às ruas para manifestar contra o governo sem medo de ser atingido por balas de metralhadoras, como em Damasco, ou de ir para o xilindró, como na Tunísia. Um país onde mulheres podem tomar vinho e fumar publicamente, em pleno Ramada, sem serem importunadas. Um país onde cinema e teatro não são censurados. Um país onde um grupo de jovens atrizes protagonizava, em árabe, a peça Monólogos da Vagina.”

E tanta liberdade, na opinião de Kacimi, só pode ser vista com maus olhos pelos vizinhos muçulmanos. A teoria dele é que Israel está realizando pela segunda vez o sonho secreto de todos os estados árabes da região: destruir essa cidade “mundana, promiscua e pecadora” que é Beirute. Uma espécie de Sodoma dos dias atuais.

A prova, segundo ele, é que os sauditas foram os primeiros a “aplaudir” a intervenção israelense e que, não por acaso, os mísseis a laser americanos lançados no Líbano partem de uma base na Arábia Saudita. “Não por medo dos xiitas, como eles dão a entender, mas por ódio dessa terra singular onde, apesar dos quinze séculos de guerra e perseguições, a voz dos muçulmanos radicais não conseguiu silenciar os sinos da Igreja.”

Independentemente dos interesses por trás do conflito, o fato é que nesta batalha quem sai perdendo de imediato é o marisco. Mas no longo prazo, Israel, seja ele o mar ou a rocha, também perde. E muito. Ao contrário das principais emissoras de TV ocidentais, os canais de notícia árabes, como a Al-Jazira, não poupam seus telespectadores das cenas mais atrozes e chocantes do massacre. A carnificina no Líbano é mostrada sem qualquer censura. E são essas imagens que vão ficar gravadas na memória de jovens e crianças árabes, que vão crescer atormentados por um sentimento de ódio contra os judeus. Ao atacar covardemente civis libaneses, Israel alimenta o sentimento anti-semita no mundo a sua volta e mostra ser seu pior inimigo.